
O ar condicionado me impede de sentir o calor,
de um verão que se aproxima e já é presente,
esquentando corpos e almas.
Meu olhar, de "esgueio", observa:
Paro o carro...respeito e homenageio
Uma transeunte, novo personagem
de um cotidiano que às vezes nunca observamos
Uma preta velha, curvada aos anos da vida
Noventa ou mais, não sei...
Bengala numa mão, saco plástico na outra...
Restos de comida?
Ângulo de noventa graus tomba sua coluna,
lábios espessos, vermelho nos olhos
Rugas rolando pela face...
Paro e observo: o que é aquele corpo?
Alma sofrida de tantos e tantos anos
Visão hoje voltada para o chão...
Paralelepípedos, seu visual usual,
Bengala, seu apoio maior.
Cada pedra do chão é uma velha conhecida...
Até conversa com elas...
São velhas amigas, vizinhas do cotidiano
Com um olhar vago, perdido no tempo
Nas agruras da vida e da velhice que lhe restou
E que restará a todos nós!
Emociona-me tanta resistência ver.
Passos lentos, indiferentes aos movimentos
Que possam ocorrer ao seu lado
Crueldade do tempo,que, quando passa,
acaba com a elasticidade,
com a flexibilidade do corpo e da vida,
com as ambições, perseguições,com os poderes,
do querer ser acima do "eu"...
Atenções são outras,
pensa na comida ou num cantinho para encerrar a vida?
Numa pedra para conversar, tergiversar, filosofar
Que não mais irá encontrar...
O tempo passou!
Restou uma bengala sem amor.
Dura, silenciosa
Que toca as pedras por onde passa,
Que a apóiam.
Lembrança última
De um tempo que está findando
Esquecido, sem homenagens...
Não tem família importante,
Embora tenha ajudado a criar tanta
que virou nome de rua,nome de praça...
Nunca será lembrada, nem reverenciada
Foi apenas usada e hoje capenga pelas ruasdas pedras quentes,
e dos carros daqueles de quem foi babá
Preta velha, de amor no coração
e de amor na alma
que se esqueceu dos seus...
Eu queria parar o carro e lhe abraçar
mas não tive coragem!
Só consegui lhe ver,
sentir-lhe à distância
e nestes singelos versos lhe homenagear
Viva, preta velha
Viva mais...
Ensina-nos mais como é o viver!
E como é se dar pra vida
E dela nada receber...
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